Psicólogos também tem ansiedade, eai?


Pesquisando sobre "ansiedade em profissionais da psicologia", "um psicólogo formado pode sentir ansiedade?" e "sintomas de ansiedade em psicólogos" nas ferramentas de pesquisa, obtive MILHARES de resultados, mas nenhum específico à minha dúvida.

Por que as pessoas não estão falando sobre isso? Não estamos nos “tempos da ansiedade”? Psicólogos, que também são seres humanos suscetíveis a mudanças e dificuldades emocionais, não devem ser incluídos nessa “classe ansiosa”?

Encontrei diversos artigos e livros relacionados a "o que causa ansiedade no ambiente de trabalho" (contexto multidisciplinar), "o que os psicólogos falam sobre a ansiedade", "o que é ansiedade", "quais suas causas e tratamentos"… encontrei até um artigo no qual o autor citado lista 10 pontos do porquê psicólogos não são bons (???) (SOUZA, 2014).

Muitos estudos nacionais utilizaram testes como o Índice de Reatividade Interpessoal, Inventário de Ansiedade de Beck, Statistical Anxiety Scale (SAS), entre outros. E sabe o que mais? A maioria desses estudos foram feitos com profissionais de diversas áreas, como enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos, odontologistas, entre outros, mas nenhum psicólogo.

Encontrei um estudo bem legal que aborda a insatisfação no trabalho, bem-estar pessoal e autorrealização, expectativas sobre a formação e a descrença de que a faculdade possibilitará realização profissional (SIMÕES, 2014). Este estudo é uma dissertação de mestrado de uma especialização em Psicologia da Educação, em Portugal, e foi o único artigo que me interessou sobre o assunto, justamente por falar sobre PSICÓLOGOS.

Utilizando essa dissertação como base, nos mais diferentes contextos, foram realizados diversos estudos sobre ansiedade e estresse. Inclusive, alguns estudos feitos com estudantes de psicologia indicam que a presença de níveis elevados de ansiedade são resultados da insegurança em relação à capacidade de atuação. Ou seja, o medo que sentimos durante a graduação acerca de nossa própria capacidade profissional, provocando uma ansiedade por não nos sentirmos devidamente preparados para cumprir com nosso dever na Psicologia.

E por quê isso?

Inevitavelmente, precisamos buscar meios externos para compreender, não um, mas diversos conceitos e termos disciplinares que a maioria das instituições de ensino superior não fornecem em relação à prática profissional. Claro, devemos considerar, sim, as oportunidades vivenciadas nos estágios obrigatórios. Contudo, as experiências do estagiário não são suficientes para suprir o desejo da capacitação prática.

  • Como um estudante de psicologia se sente no primeiro acolhimento de um paciente encaminhado?
  • Como um recém-formado lida com o medo e receio de divulgar seu trabalho clínico de forma autônoma?
  • Qual a porcentagem de profissionais que vivenciaram sintomas relacionados ao transtorno de ansiedade em seus primeiros meses após formados?
  • Por que tanta pressão para fazer uma pós-graduação? Qual a garantia de sucesso profissional tendo um currículo impecável em conhecimentos, mas sem experiência prática?
  • Quais são os índices de ansiedade manifestados por psicólogos mesmo após anos de formados e com vasta experiência no mercado?

Esses e outros milhares de questionamentos cercam nossas mentes ansiosas e, incontrolavelmente, sentimos receios, medos, ansiedades.

Não só no senso comum, mas dentro do mundo acadêmico nacional, podemos ver que a pauta sobre psicólogos também estarem suscetíveis a sentir e ter que lidar com sintomas de ansiedade é pouco discorrida e, posso dizer, negligenciada.

Todo ser humano é passível de mudanças, porém, da graduação à prática profissional, existem questões que levam mais tempo para serem desenvolvidas e exigem grande esforço para serem superadas.

Pense comigo (de mente aberta e receptiva, por favor):

Uma pessoa (fictícia) se dedica diariamente ao seu trabalho e investe em seu conhecimento intelectual. Contudo, precisa lidar com problemas e impasses familiares e, eventualmente, dificuldades em seu(s) relacionamento(s) amoroso(s). Ao longo do tempo, todos esses estímulos e diferentes sentimentos experimentados transformam-se em constantes preocupações. Naturalmente, essa pessoa pode considerar ansiedade como uma manifestação dessas preocupações.

Agora, imagine o que pode ser gerado a partir destes contextos:

  • além da insegurança financeira, após um imprevisto familiar
  • além da tristeza, após um término de relacionamento
  • além do luto, por um ente querido

Nossas experiências, nos diversos cenários de nossas vidas e com pessoas que têm diferentes significados para nós, nos provocam 2 tipos principais de sentimentos: os bons e agradáveis e os difíceis de lidar.

A ansiedade é um deles e está presente, em diferentes níveis, frequências e intensidades em todos nós.

Então, por qual razão a ansiedade não acometeria uma pessoa formada em psicologia (um psicólogo)?

“porque ele(a) estudou muito sobre o assunto e sabe lidar com estes sintomas”. Ter domínio sobre determinado assunto não anula a possibilidade de cometer equívocos. Neste caso, o conhecimento não é uma garantia de imunidade à ansiedade. Saber lidar com ela não significa que ela não poderá surgir.

“porque ele(a) oferece o serviço de psicoterapia. Seria contraditório alguém que é capacitado para ajudar as pessoas com este problema, ter este problema”. A incompatibilidade nessa lógica é justamente o que discutimos aqui. Um profissional capacitado não deixa de ser um ser humano, com medos, anseios, inseguranças e os mais diversos sentimentos, graças à sua nomeação, titulação, cargo ou diplomação. (o meme “psicólogo também é gente!” se encaixa muito bem nesta sessão).

“porque, além de ser psicólogo, ele(a) faz sua psicoterapia pessoal com outro profissional.” Você, sendo ou não da psicologia, faz ou já fez psicoterapia em algum momento de sua vida? As possibilidades de transformação e desenvolvimento são amplas e totalmente possíveis através do processo psicoterapêutico. Contudo, além de existirem profissionais que não fazem (ou mesmo, nunca fizeram) este acompanhamento para seu próprio desenvolvimento (isso sim, acho contraditório), existem aqueles psicólogos que fazem psicoterapia pessoal há ANOS. Não somente pela necessidade de ajuda para algum problema, dificuldade e para seu desenvolvimento pessoal, mas também pela constante onda de sentimentos que os aflige e que os modifica.

A cada ano, mês, semana, dia, hora e segundo, estamos mudando nossas ações, desejos, planos, pensamentos. E, a forma como nos sentimos em relação a determinadas áreas de nossas vidas também muda. Por essa razão, psicólogos fazem psicoterapia. Não porque não sejam capazes de resolver suas questões com sua própria capacidade intelectual, ou algo do tipo, mas pela necessidade do apoio profissional ir além da autoresistência.

DADOS:

Aproximadamente 9,3% dos brasileiros sofrem de ansiedade patológica (cerca de 18,6 milhões de pessoas). De acordo com o último grande mapeamento global de transtornos mentais realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil detém o preocupante título de país com a maior prevalência de transtornos de ansiedade no mundo (dados publicados em março de 2019).

Contudo, vale ressaltar que as pesquisas sobre ansiedade no Brasil podem variar ao longo do tempo devido a mudanças na sociedade, na cultura e na compreensão do transtorno mental.

O aumento das taxas de ansiedade em um determinado período pode estar relacionado a uma maior conscientização do problema, a mudanças nos sistemas de saúde e no acesso aos serviços de saúde mental, bem como a fatores socioeconômicos e políticos de uma nação.

Em 14/06/2022 o Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou em seu site oficial a entrega na Câmara dos Deputados moção em defesa da jornada de até 30 horas para psicólogas(os) com as seguintes razões:

“[…] Os profissionais da Psicologia, em seus vários campos de atuação, sejam eles da área pública ou privada, estão sujeitos a doenças sérias devido ao contexto de sofrimento no trabalho. Lidar com diferentes ordens de estresse, ansiedades, luto, morte, depressão, agressividade, compulsões, transtornos, dificuldades de aprendizagem e muitos conteúdos substancialmente difíceis, que demandam enormes cuidados, são apenas exemplos. O saldo dessa exaustiva e inapropriada jornada de trabalho é, evidentemente, negativo: o esgotamento emocional, a perda do interesse em trabalhar, oscilações de humor e uma sorte de problemas psicossomáticos.

A promoção da qualidade de vida por meio da redução da jornada de trabalho, está intrinsecamente ligada à alta expectativa de vida, ao acesso à cultura e ao desenvolvimento dos povos. Para mais, a jornada de trabalho reduzida permite ao profissional dispensar mais tempo para constantes qualificações que, consequentemente, refletem na melhoria da qualidade do serviço oferecido. A redução beneficiará, portanto, a população brasileira.

Mensurações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam que a diminuição de horas de trabalho aumenta a eficiência e, portanto, a produtividade dos trabalhadores. Na mesma pesquisa a OIT afirma que, a despeito dos contra-argumentos que afirmam erroneamente que a redução da jornada de trabalho aumenta os custos para os empregadores, há ganho real na receita por hora trabalhada, além de fazer com que a entrada de bens de capital seja mais atraente.

Seria impreciso afirmar que a aprovação do projeto produziria prejuízos aos usuários de serviços de saúde, sejam eles da rede pública ou privada, visto que essa já é a prática da maioria das profissões da área de saúde, como a Medicina, Odontologia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Serviço Social. A redução também contribuirá para pacificação entre legislações municipais e estaduais, que exigem jornadas de trabalho distintas para os profissionais da Psicologia.

A luta por até 30 horas semanais está inteiramente situada no empenho pela valorização do SUS, pela defesa da saúde do povo brasileiro, pela proteção da integralidade e qualidade do atendimento aos usuários assegurados pela Carta Magna, no respeito às decisões de instância democráticas, como as Conferências Nacionais de Saúde que legitimam a reivindicação em nível municipal e estadual. Assim, não se trata apenas de um pleito da categoria, mas da própria saúde e, em nome dela, é que erigimos essa campanha.”

Relacionando este tema ao dado divulgado pela OMS sobre a prevalência de transtornos de ansiedade no Brasil, é possível perceber como os profissionais da Psicologia podem ser especialmente afetados, uma vez que estão inseridos em um país com uma alta taxa de ansiedade.

Esse cenário coloca em evidência a importância de considerar a saúde mental dos próprios psicólogos, já que eles também estão suscetíveis a esses transtornos e desafios emocionais no contexto de sua prática profissional.


Saúde metal e trabalho:

Ainda sobre o contexto trabalhista, relacionando ao anteriormente abordado movimento do CFP, o estudo de Sousa e Coleta (2012) revela uma preocupante realidade que reforça a necessidade urgente de atenção à saúde mental dos próprios psicólogos.

De acordo com as autoras, grande parte dos psicólogos brasileiros atua em equipes multiprofissionais, sobrecarregados com demandas de quadros depressivos, ansiedade e angústias, o que pode gerar uma carga emocional extremamente desgastante para esses profissionais. Além disso, em muitos casos, esses profissionais precisam conciliar múltiplos vínculos de trabalho, o que pode aumentar o estresse e a pressão por resultados constantes.

Os problemas de gestão e institucionais, como desorganização, baixa remuneração e falta de plano de carreira, evidenciam a negligência das instituições em prover condições adequadas para o desenvolvimento profissional e bem-estar dos colaboradores. A falta de condições de trabalho, como a escassez de recursos materiais e humanos, compromete a qualidade do atendimento e da saúde, inclusive dos psicólogos.

Ademais, a relação entre problemas com a equipe e o bem-estar da mesma, também é uma questão preocupante. Considerando o contexto de trabalho de um psicólogo organizacional, por exemplo, e tomando como base o estudo de Sousa e Coleta (2012), o ambiente de trabalho conflituoso, com falta de integração, cooperação e apoio, pode contribuir para o surgimento de tensões, fofocas e até assédio moral, afetando negativamente a saúde mental desses profissionais.

No contexto da atuação na saúde pública, torna-se evidente, portanto, que a saúde mental dos próprios psicólogos é negligenciada. Essa realidade é alarmante e ressalta a importância de ações concretas para proporcionar um ambiente de trabalho mais saudável e acolhedor para esses profissionais. (SOUSA; COLETA, 2012)

Não somente na saúde pública e no contexto organizacional, essa reflexão crítica sobre o bem-estar dos psicólogos é imprescindível para que esses profissionais possam desempenhar seu papel com excelência, oferecendo um atendimento de qualidade à população. Afinal, como profissionais que trabalham diretamente com a saúde mental de outras pessoas, é fundamental que eles próprios tenham sua saúde mental valorizada e cuidada. Somente assim poderemos construir uma prática psicológica verdadeiramente comprometida com o bem-estar de todos os envolvidos.



REFERÊNCIAS:

Conselho Federal de Psicologia. CFP entrega na Câmara dos Deputados moção em defesa da jornada de até 30 horas para psicólogas(os). Disponível em: https://site.cfp.org.br/cfp-entrega-na-camara-dos-deputados-mocao-em-defesa-da-jornada-de-ate-30-horas-para-psicologasos/

SIMÕES, Bruno Miguel Neves. Ansiedade, satisfação e bem-estar em finalistas e profissionais de psicologia em início de carreira. [s.l: s.n.]. Disponível em: **https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/3099/1/DissertMestradoBrunoMiguelNevesSimoes2014.pdf**.

SOUSA, A. A. DE; COLETA, M. F. D. O bem-estar no trabalho de Psicólogos em Serviços de Saúde Pública. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 32, n. 2, p. 404–421, 2012.

SOUZA, P. F. DE. 10 sinais de que o profissional da psicologia não é bom. Disponível em: https://www.psicologiamsn.com/2014/07/10-sinais-de-que-o-profissional-da-psicologia-nao-e-bom.html 

WORL HEALTH ORGANIZATION, et al. World mental health report: transforming mental health for all. 2022. ISBN 9789240049338 (‎electronic version)‎.

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